Brasil perde 40 % da água antes de chegar à casa das pessoas

Último estudo do Instituto Trata Brasil, mostra que um volume equivalente a 7,8 mil piscinas olímpicas de água tratada é desperdiçado diariamente ou mais de sete vezes o volume do Sistema Cantareira

Último estudo do Instituto Trata Brasil, mostra que um volume equivalente a 7,8 mil piscinas olímpicas de água tratada é desperdiçado diariamente ou mais de sete vezes o volume do Sistema Cantareira, maior conjunto de reservatórios para abastecimento do Estado de São Paulo, enquanto quase 35 milhões não tem acesso ao recurso. Mesmo considerando apenas os 60% deste volume que são de perdas físicas (vazamentos), estamos falando de uma quantidade suficiente para abastecer mais de 66 milhões de brasileiros em um ano, equivalente a um pouco mais de 30% da população brasileira em 2020.

O Instituto Trata Brasil com parceria institucional da Asfamas (Associação Brasileira dos Fabricantes de Materiais para Saneamento) e da Water.org, com elaboração da consultoria GO Associados, divulgou o estudo “PERDAS DE ÁGUA POTÁVEL (2022, ano base 2020): DESAFIOS PARA DISPONIBILIDADE HÍDRICA E AVANÇO DA EFICIÊNCIA DO SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL”. O relatório foi feito a partir de dados públicos do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, ano base 2020) e contempla uma análise do Brasil, das 27 Unidades da Federação e as cinco regiões, bem como as 100 maiores cidades do país.

 Imagem ilustrativa: Adobe Stock

O que o Brasil registra de perdas no indicador Perdas de Água nos Sistema de Distribuição é praticamente o que se perde em termos financeiros avaliados no Índice de Perdas de Faturamento Total. O estudo estima que uma redução dos atuais 40,9% nesse indicador financeiro para índices próximos a 25%, meta prevista pela Portaria Nº 490 do Ministério do Desenvolvimento Regional, permitiria a economia de um volume da ordem de 2,3 bilhões de m³. Significa que, mesmo se conseguirmos uma redução não tão ambiciosa nas perdas de água, já seria volume suficiente para atender a aproximadamente 40,4 milhões de brasileiros em um ano – número equivalente aos brasileiros historicamente sem acesso.

Índice de Perdas – Países LATINOAMERICANOS

  • Uruguai 51% 51%
  • Costa Rica 47% 47%
  • Colômbia 46% 46%
  • Equador 43% 43%
  • Brasil 41% 41%
  • Peru 40% 40%
  • Paraná 39% 39%
  • Argentina 39% 39%
  • Chile 31% 31%
  • Bolívia 27% 27%
* No caso brasileiro, adotou-se o IPFT – Índice de Perdas no Faturamento Total, calculado com dados do SNIS 2020 para todo o território nacional. Fonte: ADERASA 2021. Elaboração: GO Associados. É possível observar que, mesmo quando comparado a países com níveis de desenvolvimento próximos, o Brasil apresenta resultados insatisfatórios, sendo o 6º entre os 10 países analisados, encontrando-se mais próximo do último colocado (Uruguai, com 51%) do que do primeiro (Bolívia, com 27%) em termos do índice de perdas. DIFERENÇA ENTRE OS INDICADORES Neste tipo de estudo é importante conhecer os vários indicadores usados para as perdas de água, dentre eles: Índice de Perdas na Distribuição; Índice de Perdas no Faturamento Total; Índice de Perdas no Faturamento; e Índice de Perdas por Ligação. Segue abaixo o que eles significam:  

Diferença entre os indicadores

Índices de Perdas no Faturamento
Índices de Perdas no Faturamento Total
Índices de Perdas na Distribuição
Índices de Perdas por Ligação
Objetivo
Avaliar , em termos percentuais o nível da água não faturada (sem o volume de serviço)
Avaliar, em termos percentuais, o nível da água não faturada do sistema de abastecimento
Avaliar, em termos percentuais, o nível de perdas da água efetivamente consumida em um sistema de abastecimento de água potável
Avaliar o nível de perdas da água efetivamente consumida em termos unitários (l/dia/ligação)
Vantagens
Apresenta uma visão sobre o que a empresa está produzindo e não consegue faturar
- Fornece uma visão geral da situação das perdas do sistema levando em consideração o volume de serviços. - Apresenta uma visão sobre o que a empresa está produzindo e não consegue faturar
Fornece uma aproximação útil para a análise do impacto das perdas na distribuição (físicas e aparentes), em relação ao volume produzido
Reflete a variação do nível de perdas por ligação
Desvantagens
- As empresas definem o volume de serviço de maneira muito diferente, logo, a comparação desse índice pode trazer distorções. - As perdas são calculadas com base no volume faturado. A depender da Metodologia utilizada (ex:faturamento pelo consumo estimado, pode não refletir o nível de eficiência da empresa
As perdas são calculadas com base no volume faturado. A depender da metodologia utilizada (ex: faturamento pelo consumo estimado), pode não refletir o nível de eficiência da empresa
- As empresas definem o volume de serviço de maneira diferente, logo, a comparação desse índice pode trazer distorções. - A comparação pode ser prejudicada pelos baixos níveis de macromedição e micromedição de algumas empresas
- As empresas definem o volume de serviço de maneira diferente, logo, a comparação desse índice pode trazer distorções. - Na medição de eficiência a comparação entre as cidades não pode ser feita diretamente. Mantendo-se tudo constante, cidades com maior verticalização e maior consumo por habitante terão indicador maior do que cidades menos verticalizadas e com menor consumo por habitante.
Fonte: GO Associados

PIORA DAS PERDAS DE ÁGUA DESDE 2016

Tendo como referência o índice de Perdas na Distribuição, podemos observar que desde 2016 o país vem piorando, inclusive acelerando-se em anos mais recentes, evidenciando a necessidade de maiores esforços visando à diminuição das perdas. De 2016 a 2020 houve aumento de 2 p.p., muito significativo, uma vez que deveria ter baixado

Evolução do índice de Perdas na Distribuição – 2016 a 2020

Fonte: SNIS 2020. Elaboração: GO Associados.

Em relação ao IPFT e IPF (IN013), os números também pioraram nos últimos anos. O IPFT e o índice de Perda de Faturamento subiram, respectivamente, 2,4p.p e 1,3 p.p de 2016 a 2020.

Evolução das Perdas no Faturamento – 2016 a 2020

Fonte: SNIS 2020. Elaboração: GO Associados.

INDICADORES POR REGIÃO

Os indicadores de perdas de água não diferem de outros indicadores de acesso ao saneamento quando olhamos regionalmente. A região Norte do país, detentora dos piores índices de saneamento, também é onde se registra o maior IPD, com 51,2%, isto é, a região perde mais da metade da água potável produzida. Não muito atrás, a região Nordeste também aponta indicador alto, com 46,3%

Perdas na Distribuição por região – 2020

Fonte: SNIS 2020. Elaboração: GO Associados.

INDICADORES DE PERDAS DE ÁGUA POR ESTADO

Considerando-se a análise de dois indicadores, Índice de Perdas na Distribuição e Índice de Perdas por Ligação, vemos que o estado de Goiás foi o que apresentou a menor perda e o Amapá, a maior. 15 Unidades da Federação apresentam indicadores de perdas piores que a média nacional, o que é muito ruim considerando que a média do Brasil já é preocupante.

Perdas na Distribuição por Estado – 2020

  • Goiás (GO) 27,66% 27,66%
  • Mato Grosso do Sul (MS) 33,57% 33,57%
  • Tocantins (TO) 33,86% 33,86%
  • Santa Catarina (SC) 33,95% 33,95%
  • Paraná (PR) 33,98% 33,98%
  • Alagoas (AL) 33,98% 33,98%
  • Distrito Federal 34,37% 34,37%
  • São Paulo (SP) 34,39% 34,39%
  • Pará (PA) 36,90% 36,90%
  • Minas Gerais (MG) 37,52% 37,52%
  • Paraíba (PB) 38,24% 38,24%
  • Espírito Santo (ES) 38,41% 38,41%
  • Brasil 40,14% 40,14%
  • Rio Grande do Sul (RS) 41,12% 41,12%
  • Bahia 41,45% 41,45%
  • Mato Grosso (MT) 43,23% 43,23%
  • Piauí (PI) 44,89% 44,89%
  • Ceará (CE) 44,90% 44,90%
  • Sergipe (SE) 46,07% 46,07%
  • Rio de Janeiro (RJ) 46,71% 46,71%
  • Pernambuco (PE) 49,86% 49,86%
  • Rio Grande do Norte (RN) 51,43% 51,43%
  • Maranhão (MA) 59,09% 59,09%
  • Amazonas (AM) 59,25% 59,25%
  • Rondônia (RO) 59,58% 59,58%
  • Roraima (RR) 60,48% 60,48%
  • Acre (AC) 62,08% 62,08%
  • Amapá (AP) 74,56% 74,56%

Fonte: SNIS 2020. Elaboração: GO Associados.

100 MAIORES MUNICÍPIOS BRASILEIROS

Ao analisar as 100 maiores cidades do país, vemos que, embora com médias ruins nos estados e regiões, temos cidades com índices de perdas inferiores aos índices nacionais. No caso do Índice de Perdas por Ligação (IN051), a situação se inverte: o valor observado foi de 457,81 L/ligação/dia nos 100 maiores municípios, mas de 343,37 L/ligação/dia no Brasil, ressaltando que, neste caso, quanto maior for a medição, maior será a perda. Operadores mais eficientes buscam chegar a esses baixos níveis e o quadro 9 mostra as melhores cidades.

DESTAQUES POSITIVOS

Dentre os 100 maiores municípios, apenas oito possuem índices que já se encontram nos padrões de excelência estabelecidos como meta para 2034 pela Portaria nº 490/2021 do MDR, ou seja, 25% em perdas na distribuição (IN049) e de 216 L/ligação/dia em perdas volumétricas (IN051).

DESTAQUES POSITIVOS ENTRE OS GRANDES MUNICÍPIOS BRASILEIROS

Município
Petrópolis
Campinas
Limeira
São José do Rio Preto
Taboão da Serra
Campo Grande
Aparecida de Goiânia
Goiânia
ESTADO
RJ
SP
SP
SP
SP
MS
GO
GO
Índice de Perdas no Sistema de Distribuição (%)
24,55
21,50
18,88
20,32
20,55
19,32
22,71
18,76
Índice de Perdas L/ligação/dia
148,69
170,46
126,79
160,22
135,98
114,13
100,13
109,77

Fonte: SNIS 2020. Elaboração: GO Associados.

DESTAQUES NEGATIVOS ENTRE OS GRANDES MUNICÍPIOS BRASILEIROS

Ao olhar também as 100 maiores cidades do Brasil, o Índice de Perdas na Distribuição aponta desafios para diversos municípios, no entanto, as 10 cidades com piores índices podem ser vistas abaixo:
Município
Cuiabá
Maceió
Rio Branco
São Luís
Paulista
Mossoró
Pelotas
Manaus
Macapá
Porto Velho
ESTADO
MT
AL
AC
MA
PE
RN
RS
AM
AP
RO
Índice de Perdas na Distribuição (%)
58,40
59,67
59,68
59,83
59,98
60,04
61,12
65,24
74,94
84,01

Fonte: SNIS 2020. Elaboração: GO Associados.

GANHOS ECONÔMICOS COM A REDUÇÃO DAS PERDAS DE ÁGUA POTÁVEL

O estudo considera 3 cenários para calcular os possíveis ganhos econômicos que o Brasil teria se caminhar para um aumento da eficiência na distribuição da água potável. Cenários otimista, cenário base e cenário pessimista. Foram definidos três cenários para a média nacional do nível de perdas, com base no nível a ser alcançado em 2034: 15% (otimista), 25% (realista) e 35% (pessimista). É válido mencionar que mesmo a primeira dessas metas ainda se situa acima de índices já alcançados por países como Estados Unidos e Austrália. Portanto, entende-se que, embora bastante desafiador, é possível alcançar indicadores iguais ou inferiores a 15%. Exceto pelo cenário pessimista, tais objetivos são mais ambiciosos do que o estabelecido pelo Plano Nacional de Saneamento (PLANSAB) em 2013, que previa um índice de perdas de 31% em 2033. Já o cenário realista tido como base foi estabelecido pela Portaria Nº 490 de 2021 do MDR. Tomando como referência o cenário base, existe um potencial de ganhos brutos com a redução de perdas de R$ 53,5 bilhões até 2034. Prevendo que metade deste valor precisaria ser reinvestido no próprio combate às perdas, o benefício líquido ainda assim seria da ordem de R$ 26,7 bilhões no período.

SUMÁRIO DOS IMPACTOS DE REDUÇÃO DAS PERDAS

Cenário Otimista
Cenário Realista
Cenário Pessimista
Perdas 2020
41%
41%
41%
Perdas 2034
15%
25%
35%
Redução
63%
39%
14%
Ganho Bruto Total
87.294.828
53.580.183
19.865.538
Ganho Liquido Total
43.647.414
26.790.091
9.932.769

Fonte: SNIS 2020. Elaboração: GO Associados.

Em relação ao cenário de referência, quando se considera o custo de capital do investimento ao longo do tempo, os ganhos bruto e líquido trazidos a valor presente são, respectivamente, de R$ 25,6 bilhões e R$ 12,8 bilhões no Cenário Realista. 

CONCLUSÃO

“As perdas de água no Brasil não apresentaram melhora nos últimos anos, o Trata Brasil já acompanha a situação de perdas há alguns anos e fica evidente que não foram implantadas soluções eficientes para resolver a questão. O problema impacta o desafio de universalizar o abastecimento de água, meta estabelecida com o novo Marco Legal do Saneamento, que visa garantir que 99% da população brasileira tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e coleta de esgoto, pois, como consequência, os investimentos tornam-se muito maiores para construir novas estações de tratamento de água e adutoras, por exemplo, que não precisariam estar sendo construídas, caso houvesse redução das perdas ao longo do processo” – Luana Siewert Pretto, Presidente Executiva do Instituto Trata Brasil.

“A eficiência do sistema de distribuição de água é essencial, principalmente para se alcançarem as metas do Novo Marco Legal do Saneamento. Além disso, as incertezas com relação aos ciclos de chuvas e aumento das temperaturas tornam o problema ainda mais patente”. – Gesner Oliveira, sócio da GO Associados. “O novo Marco Legal do Saneamento e as metas estabelecidas para cumprimento da universalização do acesso a água tratada e esgotamento sanitário, representam desafios muito .bem-vindos, uma vez que são direcionados a garantir qualidade de vida a todos, sem privilégios. A contenção de perdas de água é fundamental para viabilização de todo o processo, e representa um avanço significativo na prevenção de desperdícios e custos inaceitáveis, tanto econômicos, quanto ambientais e sociais. Em tempos de indústria 4.0, cada vez mais intensa no país, análises de cenários, riscos e materialidade, rastreabilidade e medidas preventivas se mostram particularmente ferramentas essenciais na gestão de perdas. Complementarmente à esforços de combate a furtos de água, projetos com especificações técnicas bem estabelecidas, que priorizem garantia de materiais de qualidade e conformidade nas entregas, assim como serviços de manutenções programadas na infraestrutura, têm especial impacto nos resultados da meta de redução de perdas de água, garantindo menos vazamentos, com acessibilidade e escalabilidade. A ASFAMAS teve o prazer de apoiar o Estudo do Instituto Trata Brasil justamente por entender que qualidade e sustentabilidade têm que fazer parte da cadeia de valor do saneamento, em um movimento integrado rumo a universalização!”. – Luciana Oriqui, Diretora de Relações Institucionais e Governamentais da ASFAMAS – Associação Brasileira dos Fabricantes de Materiais para Saneamento “Com o agravamento da crise climática, a universalização do acesso a água, que já era um desafio, tende a se tornar ainda mais problemática em todas as partes do planeta e isso não é diferente no Brasil, que ainda carrega a imagem equivocada de país com “abundância infinita” desse recurso precioso. Não é mais aceitável continuarmos a verificar índices dessa ordem apresentados aqui. Além de atuar apoiando a geração e disseminação de conteúdos como é o caso deste estudo, a Water.org também busca colaboração direta com as concessionárias de Água e Esgoto que enfrentam desafios relacionados ao financiamento de seus investimentos. Fazemos isso desenvolvendo oportunidades e modelos inovadores para atração desses recursos para dentro do setor. Essas ações tendem a expandir os canais de financiamento, melhorando os serviços e criando resiliência climática e segurança hídrica”. – Bruno Rondinella, Gerente Sr de Projetos da Water.org. 

Detalhes do Estudo, relatório completo: https://bit.ly/3GHnDr7

 Fonte: Instituto Trata Brasil, Asfamas (Associação Brasileira dos Fabricantes de Materiais para Saneamento), Water.org e GO Associados.

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